Referências teóricas da Palestra proferida em 22/08/2003 no Encontro – Núcleo de Estudos e Treinamento em Gestalt-Terapia

A CONCEPÇÃO HUMANÍSTICO-EXISTENCIAL-FENOMENOLÓGICA DA GESTALT

Filosofia amor à sabedoria, não é um saber,
um corpo de doutrina, mas a procura amorosa da
verdade
Antonio Elmo de Oliveira Martins

A FENOMENOLOGIA
O ponto de partida de Husserl é a crítica às teorias científicas, particularmente as de inspiração positivista, apegadas à objetividade, a crenças de que a realidade se reduz àquilo que percebemos pelos sentidos e à noção de que o cientista e o objeto que pretende conhecer são completamente separados e independentes.
A fenomenologia surgiu como contestação ao método experimental. “Husserl nega a existência tanto do sujeito como do mundo, como puros e independentes um do outro. Afirma que o homem é um ser consciente e que a consciência é sempre intencional, ou seja, ela não existe independentemente do objeto”. Toda consciência é consciência de alguma coisa. Quer dizer que todos os atos psíquicos, tudo que se passa em nossa mente, visa a um objeto, logo, não ocorre no vazio.
“Fenomenologia gera-se de duas expressões gregas, phainomenon e logos. Phainomenon (fenômeno) significa aquilo que se mostra por si mesmo, o manifesto. Logos é tomado como discurso esclarecedor. Dessa maneira, fenomenologia significa discurso esclarecedor a respeito daquilo que se mostra por si mesmo. Para tanto se faz necessário “ir à coisa mesma”.
Para que se possa chegar a isso, Husserl propõe que o indivíduo suspenda todo juízo sobre os objetos que o cercam. Que nada afirme nem negue sobre as coisas, adotando uma espécie de abandono do mundo e recolhimento dentro de si mesmo. Tal atitude, denominada redução fenomenológica ou “epoquê”, leva-nos a um tipo particular de conhecimento, em oposição ao conhecimento objetivo, o categorial.
“A percepção categorial é imediata, espontânea, pré-reflexiva, própria da vida cotidiana, do viver imediato – nela não há separação entre sujeito e objeto e este é captado na sua totalidade por intuição – é a percepção própria das ciências do homem”. A fenomenologia, vê o homem como um todo. É um modo de pensar o ser da maneira como ele se apresenta. É por isso que Perls afirmava que a gestalt-terapia é baseada numa abordagem fenomenológica. Preocupa-se com aquilo que aparece, aquilo que é aparente na coisa, e que se revela por si mesmo na sua luz.
Isto remete a uma análise intencional da realidade em si e da realidade como chega à nossa mente, como é representada em nós. A maneira de existir das coisas depende do modo como são apreendidas pela consciência (“eu faço minhas coisas e você as suas”), é a consciência que lhes dá sentido (“eu sou eu, você é você”). Assim, fica clara uma relação entre consciência e objeto uma vez que a consciência é sempre consciência de alguma coisa e o objeto é sempre objeto para a consciência. Cabe à fenomenologia a elucidação da essência desta relação, pois, através dela, pode-se entender o mundo inteiro, pode-se chegar às coisas mesmas. “Nós não existe, mas é composto de eu e você (…) quando há encontro eu me transformo e você também se transforma”.
A gestalt-terapia busca chegar à essência do homem; neste sentido, o fenômeno deixa de ser uma coisa e passa a ser um modo de o homem reagir ao mundo.
Com isso, pode-se dizer que o homem é um fenômeno que se revela lentamente, quanto mais ele se desnuda mais se aproxima de uma determinada luz, mais está em contato com a sua essência, que ele mesmo cria.
A fenomenologia é uma tentativa de clarificação da experiência humana. Tenta elucidar a relação entre o objeto e a consciência, a maneira como o objeto é apreendido pelo homem na sua consciência. As coisas se constituem na consciência através da intencionalidade. A intencionalidade faz com que as idéias sejam vivências da consciência, ela cria relação entre o sujeito e o objeto, entre o homem e o mundo. O objeto existe intencionalmente na consciência, uma vez que a consciência só é considerada como tal quando voltada para um objeto, e este só pode ser definido em relação à consciência; ele é objeto para um sujeito.
A gestalt-terapia considera a intencionalidade como uma “visada de consciência”, como aquilo que dá sentido ao homem e o seu modo de existir no mundo.

O EXISTENCIALISMO
Segundo Sartre, o existencialismo é uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda a verdade e toda a ação implicam um meio e uma subjetividade humana, isto é, que a existência precede a essência. Senão vejamos: quando tratamos dos objetos que nos cercam podemos constatar que cada um deles ao existir pressupõe uma atividade mental humana que lhe é anterior e que o determina.
Posição inversa assume o existencialismo ateu. Segundo ele, no início, o homem não é nada e posteriormente será aquilo que se fizer de si mesmo. Não existe natureza humana porque não há um Deus para concebê-la. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: esse é o primeiro princípio do existencialismo. Embutido neste princípio, está o conceito de subjetividade. Este termo deve ser entendido como a afirmação de que a dignidade do homem é maior que a do objeto, porque ele nada mais é do que aquilo que se projeta num futuro. O homem é um projeto que vive a si mesmo subjetivamente, ao invés dos objetos.
Ao admitirmos a existência de um Deus que é o criador dos homens, estaremos aceitando a hipótese de que o conceito de homem para Deus é o mesmo que o de objeto para o industrial. Ao produzirmos um objeto, nos inspiramos num conceito deste objeto e numa determinada técnica de produção. O objeto é produzido de certa maneira e com uma utilidade definida. Podemos falar, portanto, que nesta caso é essência – conjunto de técnicas e definições de utilidade – precede a existência.Assim o homem estaria apenas materializando um conceito que já existe na mente de Deus.
Sendo assim, o homem é responsável pelo que é. O primeiro esforço do existencialismo é colocar todo homem na posse do que ele é, e submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, o homem não é responsável apenas pela sua individualidade, mas é responsável por todos os homens. Escolhendo-se, escolhe todos os homens. Quando criamos o homem que queremos ser, criamos uma imagem do homem tal como julgamos que deva ser. Escolher significa atribuir um valor; assim crio a imagem do homem escolhido por mim.
Talvez possamos agora esclarecer o significado da angústia, do desamparo e do desespero. Ora, a responsabilidade que o homem tem no ato de escolher é a de tornar-se legislador. Então, quem me garante que fui eu mesmo o escolhido para impor a minha concepção de homem e minha própria escolha à humanidade. Se considero que algo é bom ou mal, eu mesmo tenho que decidir, não há sinais no mundo que me indiquem um caminho. E este só tem valor pelo fato de ter sido escolhido. A angústia, portanto, decorre da responsabilidade. Não é a angústia do quietismo, mas a da responsabilidade. O homem está condenado a ser livre, e sendo livre, é responsável por tudo o que faz. Se Deus não existe, não há valores que o orientem a priori; só se pode definir o valor de um sentimento escolhendo-o. O desamparo e o desespero decorrem da percepção de que estou só para fazer, só eu mesmo me faço.
Portanto, o quietismo é a atitude daqueles que dizem: os outros podem fazer o que eu não posso. O existencialismo diz que a realidade não existe a não ser na ação. O homem não é mais do que o seu projeto, só existe na medida em que se realiza. Para Sartre, um covarde não é assim por um determinismo orgânico ou psicológico, mas porque se fez assim. O existencialismo não pode ser a filosofia do quietismo, pois define o homem pela ação. Não é uma descrição pessimista do homem; é otimista, porque o destino do homem está em suas próprias mãos. Não é uma tentativa de desencorajar o homem de agir, mas afirma que a única esperança está em suas mãos: só o ato permite ao homem viver.
Para o existencialismo, a verdadeira consciência é a consciência de existir. Sartre afirma que só existe autenticamente o que “se escolhe” livremente, aquele que se faz por si mesmo, aquele que é a sua própria obra. Por conseguinte, “jamais existirei se não escolher a essência que pretendo ser”.
“A gestalt-terapia considera mentalmente saudável aquela pessoa em que a conscientização pode se desenvolver sem bloqueios, sempre que a sua atenção organísmica é provocada. Tal pessoa pode experimentar suas próprias necessidades e possibilidades ambientais de um modo pleno e claro, de momento a momento, aceitando-as como dados e aceitando-as no sentido de compromissos criadores”. O fluir de estados de consciência (awareness continuum) fortalece verdadeiramente o perceber-se a si próprio.
A consciência existencial é o ser de nossa direção para o mundo. Por isso de acentua o fato de que as coisas “se dão a nós” como vivências de consciência.
O mundo vivido tanto para o existencialismo como para a gestalt-terapia deve ser colocado à luz do dia. A consciência começa a pertencer ao ambiente do “encontro”, do “ser-no-mundo”. “Sua liberdade em situação se torna presente às outras liberdades em suas obras e desta maneira cria a possibilidade de intersubjetividade e do encontro”. “A tomada de consciência é sempre a experiência subjetiva”.
“Assim, temos sempre que considerar o segmento do mundo em que vivemos como parte de nós mesmos. Aonde quer que vamos, levamos sempre uma espécie de mundo conosco”.
Portanto, para a gestalt-terapia, “a tomada de consciência em si – e de si mesmo – pode ter efeito de cura. Porque com uma tomada de consciência completa, você pode tornar presente a auto-regulação organísmica, pode deixar o organismo dirigir sem interferência, sem interrupções; podemos confiar na sabedoria do organismo”.
“A realidade é a tomada de consciência da experiência que se processa, no tocar, no mover, no fazer real. A abordagem gestalt-terapêutica é uma abordagem existencial: nós existimos como um organismo, como um animal, e nos relacionamos com o mundo exterior como qualquer outro organismo da natureza”.
A gestalt-terapia procura penetrar na própria vivência da pessoa, captar o seu modo de existir, o seu ser-no-mundo, as características do seu existir, particularmente a sua maneira de vivenciar o espaço e o tempo (hic et nunc – aqui e agora). Não nos tomem por egoístas apressados, pois trata-se de ser-no-mundo, as nossas vivências não estão contidas dentro de nós, mas se manifestam intimamente relacionadas ao ambiente, às pessoas. O gestaltista percebe que toda a ciência (objetiva, experimental) não é suficiente para atender ao apelo vivo do cliente. As fórmulas teóricas não bastam para acalmar as pessoas. É preciso participar do existir do cliente, pois antes da técnica está a existência. “As técnicas são truques sujos”.
Quando Maria chega ao meu consultório, é Maria que chega ao meu consultório. Não fala de uma Maria anterior, de uma Maria outra, mas de si. Em nenhum compêndio fala-se desta Maria única que chega ao meu consultório. Se eu puder partilhar do seu existir, e ao mesmo tempo por mim existir, poderá haver diálogo, e, então, encontro. O resto é teoria, aparência e blá-blá-blá.

O EXISTENCIALISMO ( A “filosofia da vida” de Nietzsche)
A filosofia nietzscheana é basicamente uma filosofia que elabora uma perspectiva para se lidar com a morte e o sofrimento que são inevitáveis, a morte não necessariamente no sentido biológico do termo, mas também em um sentido das finitudes existenciais.
Para Nietzsche a vida merece ser integralmente afirmada. Não interessa desqualificar a vida por esta ser cheia de sofrimento e mortalidade. Partindo dessa concepção ele elabora toda uma crítica a cultura judaico – cristã. Em uma perspectiva nietzscheana quanto mais se assumir a mortalidade na sua potencialidade mais se retorna a vida. A principal crítica a nossa cultura é que esta nega a morte e, consequentemente, nega a vida. Nesta concepção o essencial é a afirmação do vivido, da vida tal como ela é, tal como ela se apresenta.
A crítica da ciência é, em última instância, uma crítica à moral. Pois a moral nega essa aparência em função da verdade essencial. Na arte se afirma a aparência e se cria a nova vida, se cria o vivido. Sendo a moral definidora da verdade vai de encontro ao vivido que é único a cada momento, ou seja, a moral subestima o vivido, por ser estabelecida à priori.
Nietzsche nega a moral e privilegia uma perspectiva ética. Uma ética do valor da afirmação da vivência, do vivido, da vida tal como ela se apresenta. A vida é fundamentalmente vir-a-ser, tornar-se devir. A valorização de um ser estático é a valorização do nada, é uma perspectiva niilista, é vontade do nada.
Uma outra perspectiva é elaborada a partir da crítica da ciência tendo como ponto norteador a perspectiva da arte. O cientista parte da dicotomia aparência – essência, isto é, parte da aparência para se chegar ao verdadeiro. A crítica da ciência vai desde a problemática do conhecimento, passando pela vontade de saber até o que podemos chamar de “impulso epistemofílico”. A crítica é realizada pondo em evidência o modo de conduzir a existência no âmbito da ciência, levando em consideração que a verdade não existe como algo estabelecido, toda a verdade é produto da criação humana, ou seja, nós criamos a verdade. A ciência nega uma aparência e vai atrás da essência buscando a verdade. Com isso a ciência se impotencializa para criar esta verdade, consequentemente passando ser um modo de vida impotente. É a arte que afirma a aparência e cria a verdade
Nietzsche defende uma visão artística onde este cria o verdadeiro a partir de uma identificação com o vivido. O artista não nega a aparência, ele é a aparência. Valorizar essa aparência é possibilitar a criação do verdadeiro partindo da própria atualidade existencial, o vivido.
Afirmar o vivido implica em afirmação das diferenças, à medida que se muda se encontra o outro. Quando o indivíduo se abre para a diferença do outro ele passa por um processo de modificação intensa, por um processo de afirmação do caráter processual da vida: processo devir, multiplicidade e diferença.

A FILOSOFIA DA RELAÇÃO DE MARTIN BUBER
A Gestalterapia é uma linha fenomenológico-existencial e relacional. Essa abordagem passou a reconhecer, junto com o surgimento da psicologia humanista, que o cliente não é o único pólo do processo terapêutico. Com a influência da vertente fenomenológico-existencial começou a elaboração de uma problemática específica à questão do papel do terapeuta no processo psicoterápico. Começamos a entender que este terapeuta não é apenas um técnico tentando aplicar uma técnica específica para “curar” o cliente.
Psicoterapia não é um processo de relação entre um técnico e um objeto defeituoso. É um processo de relação entre duas pessoas dentro do contexto da instituição psicoterapia que se colocam numa postura fenomenólogica de privilégio da perspectiva de suas consciências e de seu vivido. A terapia deixa de ser uma relacionamento entre um sujeito e um objeto e passa a ser uma relação efetiva entre dois agentes autônomos.
Nesta linha de pensamento resta uma questão fundamental que é a relação. Existe a necessidade de elaboração de uma teoria da relação e em particular de uma filosofia da relação. A filosofia que vai perspectivar uma compreensão do processo da relação terapeuta-cliente é a filosofia dialógica de Martin Buber, conhecida também como filosofia do encontro. Buber elabora uma filosofia da relação especificamente, independente das psicoterapias fenomenológico-existenciais, porém essas linhas vão ser profundamente influenciadas por suas idéias.
Martin Buber é um pensador austríaco que viveu a maior parte do tempo na Alemanha, particularmente no período compreendido entre as duas grandes guerras. Ele tentou elaborar uma filosofia que desse conta da relação entre seres diferentes e antagônicos. Uma das aplicações de suas idéias foi na relação entre palestinos e judeus. O pensamento de Buber faz parte de uma corrente dentro do judaísmo que, de certa forma, foi vencida pelo Sionismo. Buber tenta elaborar uma perspectiva política que constituísse o Estado de Israel como um Estado de Judeus e Palestinos.
A relação é um processo de interação que se dá basicamente entre diferentes. Esta é uma questão central na filosofia de Buber, só existe relação efetivamente entre diferentes. Buber parte da perspectiva de que “no começo é relação”.
O ser humano é fundamentalmente relação, não existe possibilidade de compreensão do ser humano que não seja a partir da relação. Desde o momento da fecundação até todos os outros momentos da existência ele só existe em relação. Neste sentido, por definição o ser humano é um ser relacional.
A partir da abertura do ser humano para o mundo existe duas possibilidades, segundo Buber, de relacionamento. O referido pensador vai usar o termo “palavra princípio” para se referir a forma de como eu me relaciono com o mundo. Então, eu me abrir para uma possibilidade de relação com o mundo, significa dirigir uma certa palavra princípio. Numa relação eu posso dirigir para o meu parceiro a palavra principio EU-TU ou a palavra princípio EU-ISSO. As palavras-princípios não são vocábulos isolados mas pares de vocábulos.
Uma palavra princípio é o par EU-TU. A outra é o par EU-ISSO no qual, sem que seja alterada a palavra-princípio, pode-se substituir ISSO por ELE ou ELA (BUBER: 1986, pp. 03) No modo EU-ISSO de relação converto o parceiro de relação em objeto de minha experiência. Experiência no sentido de apreensão do parceiro como objeto empírico de relação, isto é, tenho um relacionamento de uso.
A relação EU-ISSO é também uma relação cognoscente, ou seja, é uma relação de busca de conhecimento sobre o outro. É também uma relação parcial, uma relação na qual eu não me envolvo enquanto totalidade de ser; só me envolvo parcialmente.
A relação EU-TU é fugaz, momentânea, enquanto dura jamais converto o parceiro de relação em objeto de minha utilidade. A principal característica da relação EU-TU é a afirmação e diferenciação do parceiro numa relação de totalização ontológica, isto é, me relaciono com o outro ao nível de minha vivência pré-reflexiva. Sendo uma relação ontológica me envolvo enquanto totalidade de ser possibilitando uma certa reciprocidade.
O TU é relação. Relação quer dizer um processo vivo, processo entre dois parceiros. Nesta relação não existe objeto, existe parceiro de relação, onde ambos são sujeitos. O momento do TU é o aquele onde – ainda – não houve a cristalização de um objeto. Fatalmente vai aparecer um objeto, fatalmente essa relação EU-TU vai se converter numa relação EU-ISSO. Entretanto, enquanto isso não acontece, a relação EU-TU é um momento vivo de relação.
Experienciar o mundo é apreender o mundo como objeto; como objeto sensível. Só aplicamos a palavra experiência em relação ao ISSO, na experiência está implícito a relação com um objeto, um forma de abertura egocêntrica onde o sujeito está limitado a si mesmo, ele experiencia o mundo em si próprio.
Assim, o mundo da experiência é o mundo do ISSO e o mundo da relação é o mundo do TU. A relação com o TU é “atemporal”, na peculiaridade dessa relação ela não tem nem tempo nem espaço. O que caracteriza essa relação é a sua “imediatez”, ou seja, é uma relação imediata onde entre os parceiro não existe nenhuma mediação. O sentido do presente é a presença, só existe presente na presença do TU, na relação com o diferente.
Que ninguém tente debilitar o sentido da relação: relação é reciprocidade.
(…) O homem não é coisa entre coisas ou formado por coisas quando, estando eu presente diante dele, que já é meu TU, endereço-lhe a palavra-princípio (…).
Eu não experiencio o homem a que digo TU. Eu entro em relação com ele no santuário da palavra-princípio. Somente quando saio daí posso experienciá-lo novamente. A experiência é distanciamento do TU (pp. 11-10).
No momento da relação o outro é profundamente afetado pela outridade do parceiro. Esse é um momento plástico de transformação, onde liberto minhas possibilidades de desenvolver o meu potencial criativo.
Para a Gestalterapia, especificamente, e todas as outras linhas fenomenológico-existenciais o que interessa é a relação da experiência imediata do cliente no momento da sessão terapêutica. O processo terapêutico visa a espontaneidade e o fluxo natural da vivência de consciência do cliente. Neste sentido, o terapeuta é um parceiro no processo de elaboração e re-elaboração do vivido. O fato é que só existe vivido na relação com o diferente.
Devemos concluir diante do exposto, que se faz necessário um resgate das bases filosóficas da Gestalterapia para uma melhor compreensão de seu método, sua técnica e formas de atuação. A importância dos fundamentos filosóficos para a compreensão da Gestalterapia merece não apenas algumas páginas, mas todo um trabalho de pesquisa para que possamos analisar profundamente os conceitos gestálticos considerados por Fritz Perls, nos quais caminham toda a ciência e arte da teoria.
http://www.terravista.pt/aguaalto/2884/bfgt.html

O HUMANISMO
O humanismo é uma concepção do mundo e da existência, cuja questão central é o homem. O mundo só tem sentido se caminhar com o homem, que só pode ser pensado a partir do homem. Para Maritan, o humanismo “tende a tornar o homem mais verdadeiramente humano, e manifestar sua original grandeza através de sua participação em tudo aquilo que possa”, para que o “homem desenvolva as virtualidades contidas em si mesmo, suas forças criadoras e a vida da razão, e trabalhe no sentido de fazer das forças do mundo físico instrumento de sua liberdade”.
É necessário, contudo, cautela com o que diz Maritain. Se, por um lado, ele enfatiza a ação do homem, ou seja, seu ser-no-mundo, por outro lado, ele fala de sua grandeza original. Neste ponto Maritan ajuda-nos a observar que não existe apenas um tipo de humanismo. Há, diz Sartre, dois tipos de humanismo. Um deles é uma teoria que toma o homem como um fim e um valor superior. Isso implicaria que poderíamos dar um valor ao homem segundo os atos mais altos de certos homens, o que seria um absurdo. Outro entendimento de humanismo é o que toma o homem como fim, porque ele está sempre por se fazer, que recorda o homem que não há outro legislador além dele próprio. Assim, quando Maritain fala de grandeza original está falando de algo além-do-homem, ou de um humanismo que pressupõe um ser transcendental.
O humanismo com o qual nos identificamos como gestalt-terapeuta, contrário ao de Maritain, é o modo humano de ser-no-mundo comparável ao resplendor de uma luz, em cuja claridade tudo quanto existe pode tornar-se presente e revelar sua natureza própria. Os objetos não podem ser revelados sem o resplendor do homem, assim como este não pode existir sem a presença de tudo que está a sua volta, isto é, precisa de algo onde sempre num universo humano, fazendo-o e fazendo-se.
Imaginem um belo jardim, com arbustos, folhas e flores dos mais variados matizes e cores. Imaginem todo este jardim imerso na mais profunda escuridão onde nada se vê. Percebam agora uma luz radiante a iluminá-lo e a surpreender-lhe matizes e cores. Esta luz é o homem, ou melhor, pode ser este homem, se este homem o quiser. Contudo, este homem só se realiza como homem na medida em que existe um jardim a iluminar.
Da mesma forma, o gestaltista realiza-se no trabalho terapêutico defrontando-se com outro ser; porém, para sua profunda alegria, não se trata apenas de um jardim, mas de outro ser, que, assim como ele, tem luz própria. Sua tarefa consiste em mostrar este fato. Awareness e contato são seus instrumentos.
Na gestalt-terapia o homem é o centro dos acontecimentos. É pensando no seu bem-estar que ela requer do cliente que especifique as mudanças que deseja em si mesmo, ajuda-o a incrementar a sua compreensão de como se derrota a si mesmo e auxilia-o a experimentar e mudar. Do ponto de vista gestaltista, o indivíduo é capaz de assumir as responsabilidades por si mesmo e viver plenamente como pessoa em busca de integração.
Outro ponto de convergência entre a gestalt-terapia e o humanismo é o que diz respeito à comunicação, isto é, existir automaticamente, é viver consciente de suas limitações. Esta existência possível, no entanto, só se realiza mediante a comunicação com o outro. “Eu só existo em companhia do outro; só, eu nada sou. A comunicação é, então, o fim da filosofia e é na comunicação que todos os seus demais fins se encontram, isto é, o despertar do ser, a iluminação através do amor e a conquista da paz”3.
Para a gestalt-terapia, pessoas e organismos podem-se comunicar entre si, o que é chamado de mitvelt – o mundo que eu e você possuímos em comum. Nós falamos uma certa linguagem, temos certas atitudes, certos comportamentos, e os dois mundos se superpõem em alguma parte. E, nesta área de superposição, a comunicação é possível.
Para comunicar, temos que estar certos de sermos emissores, o que significa que a mensagem que enviamos possa ser entendida; temos também que estar certos de sermos receptores, que queremos escutar a mensagem da outra pessoa. É muito raro as pessoas que conseguem falar e ouvir. A integração entre o falar e o ouvir é realmente uma coisa rara. “Sem comunicação não pode haver contato. Há apenas isolamento e aborrecimento”.

UMA REFLEXÃO ACERCA DA CONSISTÊNCIA TEÓRICA DAS PSICOTERAPIAS HUMANISTAS
Georges Daniel Janja Bloc Boris
geoboris@uol.com.br
Texto publicado na Revista de Psicologia, Fortaleza, 5 (1): pág. 69 a 75, Jan/Jun, 1987.

Resumo
O trabalho trata da falta de consistência teórica das psicoterapias humanistas. Expõe conceitos do filósofo Martin Buber: atitudes Eu-Tu e Eu-Isso, diálogo e encontro. Refere-se às repercussões destes conceitos sobre as psicoterapias humanistas, mais especificamente a exacerbação dos aspectos vivenciais e o conseqüente empobrecimento teórico destas abordagens. Propõe uma retomada do estudo da fenomenologia e do existencialismo à luz de Edmund Husserl, Maurice Merleau Ponty e Martin Buber.

1. AS ATITUDES BÁSICAS DO SER HUMANO
A obra de Buber é marcada essencialmente pela busca do sentido da existência humana, visando ao resgate da sua responsabilidade pela construção de um mundo mais condizente com este sentido humano. Buber baseia suas indagações no diálogo, considerado por ele como a categoria existencial por excelência, propondo a compreensão da realidade humana através do prisma do dialógico, ou seja, do vínculo entre a experiência vivida (ação) e a reflexão (pensamento). Suas reflexões partem, portanto, das experiências vividas, que adquirem assim um alcance político, pois o diálogo é a base da formação das comunidades humanas, deixando de ser, conseqüentemente, um mero conceito abstrato, para descrever uma experiência concreta (Zuben in: Forghieri, 1984).
Buber (1977) afirma existirem duas atitudes básicas, duas formas de existir ou de ser-no-mundo, que alternam-se ao longo da existência humana: as atitudes Eu-Tu e Eu-lsso. Não se tratam de dois tipos de homem, mas duas posturas presentes em todos nós, em nossa relação com o outro, com as coisas e com o mundo.
Na atitude Eu-Tu, o homem integra-se completamente com o mundo, numa totalidade caracterizada pelo envolvimento, pela integração dos opostos, desaparecendo as peculiaridades e contradições individuais. O Tu não necessariamente é uma pessoa, podendo referir-se a animais, elementos da natureza, obras de arte ou divindades.
Podemos caracterizar como aspectos essenciais referentes à relação Eu-Tu (Zuben in: Forghieri, 1984):
a) reciprocidade: trata-se de uma dupla ação mútua entre os parceiros da relação. Cada pessoa-sujeito pressupõe a existência da outra, pois a ausência de uma delas põe fim à inter-relação, à reciprocidade. É nas relações humanas que a reciprocidade atinge o máximo de intensidade.
b) presença: ou o momento da reciprocidade. É esta presença que garante a alteridade, a diferença entre o Eu e o Tu, o que propicia o surgimento de um Nós, uma totalidade de pessoas independentes, que se escolhem entre si.
c) imediatez: a relação Eu-Tu ocorre aqui-e-agora, é direta, imediata. Nada se interpõe entre os parceiros (idéias, preconceitos, representações). O Eu se relaciona com a presença recíproca do Tu e não com a sua imagem.
d) responsabilidade: o conceito de responsabilidade deve ser entendido não como um dever ético ou uma obrigação moral, mas como habilidade de resposta (Buber, 1982; Perls, 1977). “A verdadeira responsabilidade se encontra onde há possibilidade de resposta” (Zuben in: Forghieri, 1984, p. 81).
“Responder a quê?” – indaga Buber (1982). “Responder ao que nos acontece, que nos é dado ver, ouvir, sentir” (p. 49). Eu e Tu respondem à situação presente, ao que o outro lhe apresenta. Portanto, responsabilidade pressupõe disponibilidade para estar totalmente com o outro (noção de encontro), pois o homem é um ser-com, um ser de relações (Zuben in: Forghieri, 1984). Entretanto, a relação Eu-Tu é uma experiência fugaz, rara a difícil. O homem não suporta manter um envolvimento tão intenso constantemente. Ele se afasta, se recolhe e o Tu tende a tornar-se um Isso, permanecendo em estado latente, enquanto possibilidade. Compreende-se, assim, que o Isso não necessariamente refere-se a coisas ou objetos.
Segundo Forghieri ([org.], 1984), o que caracteriza a relação Eu-Isso é a separação, o distanciamento entre o Eu (Egótico) e o Tu (Isso, Ele, Ela). O Egótico afasta-se, lidando com o Isso enquanto objeto do conhecimento a da ação (Zuben in: Forghieri [org.], 1984). Ainda de acordo com Zuben, Buber destaca, entre as modalidades da relação Eu-Isso, a experiência. Trata-se de um relacionamento de certa forma unidirecional entre o Eu (Egótico) e um objeto manipulável (lsso), caracterizado pela coerência espaço-temporal, delimitada e coordenada. O Egótico encerra em si toda a iniciativa da ação, não se voltando para o outro. É a própria atitude científica.
Não se deve encarar a relação Eu-Isso como algo negativo, pois trata-se de uma das atitudes humanas frente ao mundo, que permite-nos apreender as conquistas técnico-científicas da humanidade. É mais duradoura e estável, propiciando ao homem sensação de segurança. Torna-se negativa quando submete o homem, levando-o à decadência de seu poder de decisão, de responsabilidade a de disponibilidade para o encontro. “E com toda a seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem” (Buber, 1979; p. 39).

3. ALGUMAS PROPOSTAS DE SOLUÇÃO
O pensamento de Edmund Husserl parece-me um primeiro passo na retomada deste caminho. Face à contraposição entre a especulação metafísica e o raciocínio positivista, Husserl apud Dartigues (1973) propôs uma filosofia nova, que unisse:os dados da experiência o pensamento em sua totalidade + racional = FENOMENOLOGIA (FENÔMENO) (LOGOS)
Um retorno à fenomenologia parece necessário. “É, como dissemos, um postulado da fenomenologia que o fenômeno seja lastrado do pensamento, que seja logos ao mesmo tempo que fenômeno” (Dartigues, 1973, p. 21).
Como se percebe, não basta ficar com o fenômeno como ele nos aparece. É necessário às psicoterapias humanistas um pensar sobre, a reflexão acerca da experiência vivida, para que se dê a compreensão dos fenômenos característicos da psicoterapia.
Um outro passo pode ser representado pela contribuição valiosa de Maurice Merleau-Ponty. De acordo com Rezende (in: Forghieri [org.], 1984), o referido autor propõe alguns critérios concernentes a uma psicologia de inspiração fenomenológica: primeiramente, a psicologia deve ser uma ciência humana, ou seja, partir do próprio homem para compreendê-lo e a seus caminhos. Esta psicologia deve ser estrutural, isto é, deve investigar as diversas experiências humanas, integrando-as em seus vários níveis, formas e mundos. Outro aspecto é seu caráter dialético, reconhecendo a pluridimensionalidade no interior da existência, por oposição ao psicologismo. Um outro critério referente à psicologia fenomenológica é que ela deve ser simbólica, já que o homem é polissêmico, encarnando os seus vários significados. Finalmente, esta psicologia não deve ser apenas existencial, uma teoria sobre o humano, mas um estudo do seu existir concreto. Retomando Buber, proponho uma melhor compreensão da dialética das atitudes Eu-Tu e Eu-Isso no campo das psicoterapias humanistas. Vale lembrar que o encontro existencial se dá através de dois movimentos (Zuben in: Forghieri [org.], 1984):
– distanciamento: onde o homem (psicoterapeuta) coloca-se frente a frente ao outro (cliente), reconhecendo sua alteridade (diferença), independente de si mesmo;
– relação: quando acontece a presentificação do outro enquanto pessoa.
Em outros termos, já é o momento das psicoterapias humanistas reconhecerem a necessidade de teorização acerca da relação psicoterápica, para que a própria relação e o próprio psicoterapeuta possam estar assentados em bases sólidas. Acredito que só assim as psicoterapias humanistas terão um verdadeiro reconhecimento enquanto abordagens científicas.
http://www.encontroacp.psc.br/uma_reflexao.htm

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